8.10.21

Dinheiro pra nós não é luxo, é proteção


“Eu não gasto, eu invisto
Eu reparto e conquisto
Consumir de nós, a grana volta
É assim que funciona
Pegou a visão?”

Abebe Bikila foi um maratonista etíope que após vencer a maratona masculina nos Jogos Olímpicos de Verão em 1960 na Itália, se tornou o primeiro negro africano a ganhar uma medalha de ouro olímpica e é considerado até hoje como um dos maiores atletas na história da modalidade.

Abebe Bikila Costa Santos, rapper fluminense de 31 anos que o país conheceu em 2016 e conhece até hoje como BK´, tem apenas quatro anos de carreira mas coleciona três discos gravados e carrega consigo letras fortes, um flow inigualável e uma identificação enorme como povo preto.

Em seu mais recente disco, “O Líder em Movimento”, BK´ nos mostrou o trabalho mais forte, reflexivo e potente de sua carreira. E foi nessa constante inquietação e contrastes entre batidas e letras que uma música me chamou mais atenção.

Em “Porcentos 2”, a terceira faixa do disco, o rapper traz uma segunda parte da música “Porcentos”, gravada em 2018 no álbum “Gigantes”, onde ele enfatiza por várias vezes no refrão e no decorrer da canção o quanto estava trabalhando muito e recebendo pouco, não apenas no aspecto financeiro.

Agora em 2020, numa outra fase da carreira, BK´ faz questão de destacar a importância e o impacto do “Black Money” como ato político. Investir no negro como uma tentativa prática de equilibrar a balança social e econômica, principalmente num país como o nosso.

Apoiar não apenas artistas, mas o empreendedor negro. Daquele que tem uma marca própria de roupa a quem oferece atendimentos psicológicos. Para que ambos consigam capitalizar e gerar renda para comunidade, mas que também passa por aprendermos a valorizar e precificar o nosso trabalho de maneira justa.

Mas a frente, BK´ também cita a importância da rivalidade como fator de impulsionamento e evolução constante entre rappers já que todos têm sua relevância e podem se comunicar com diferentes grupos sociais.

Assim como seu homônimo, BK´ se agiganta e se coloca em condição de estar entre os melhores rappers da atualidade, conduzindo sua história uma narrativa potente e muito poderosa. 

“Mudamos o jeito de atrair dinheiro
Pra não me trair e os sujeitos me mudarem pelo dinheiro”

O recado é objetivo e certeiro. Que nos organizemos e tenhamos a oportunidade de não só construir, mas ser o alicerce de outras construções. E como diz o refrão: dinheiro para nós não é luxo, dinheiro para nós é proteção.

Pedro Ramos  |  @peedrohramos

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7.4.21

Porque a melhor versão de nós nunca foi na agonia

Capa do Álbum DDGA 
Imagem: Divulgação Rico Dalasam

Existem diversas formas de se contar uma história de amor. Geralmente, as histórias têm personagens apaixonantes, uma construção detalhada, e desafios genuínos que quase sempre terminam em clichês infalíveis. Mas, como contar uma história de amor (próprio)?

Em sua certidão artística, ele ficou conhecido como Rico Dalasam. Mas em sua certidão de nascimento, está Jefferson Ricardo da Silva. Aos 32 anos, o rapper revisitou todas as suas emoções mais dolorosas e intensas e as despejou em forma de arte com o álbum “Dolores Dala Guardião do Alívio”.

Um coração marcado, uma alma cansada, um corpo exausto. Sentimentos e sensações transformados em som e letras que nos revelam mais sobre Jefferson do que sobre Rico na mesma medida em que nos revelam a nós mesmos. Como pode uma obra tão íntima e particular acertar tão em cheio?

Ao discutir o corpo de um negro não sobre o aspecto político ou social, DDGA toca num local profundo e delicado, que por diversas vezes fica não só pouco elaborado no imaginário coletivo, mas também escondido e sucumbido por nós mesmos, homens pretos.

Aberto a discutir, exaltar e transformar relacionamentos inter-raciais e homoafetivos em poesia, Dalasam nos entrega não só muita maturidade em cada faixa, mas um mundo novo, poesias que movem sua mente a campos pouco explorados e cada descoberta você se sente ainda mais vivo.

Aliás, o acrônimo “DALASAM” tem como significado: Disponho Armas Libertárias e Sonhos Antes Mutilados. Talvez, isso nunca tenha feito tanto sentindo num trabalho como agora. Como ele mesmo diz na introdução do disco: “Você é parte da minha parte viva e a gente ainda é a parte viva do mundo”.

Num mundo onde falar de racismo, homofobia e outras pautas dói tanto, é preciso exaltar quem consegue transformar seu alívio em arte. Até porque, ele não poderia falar de alívio se não tivesse doído tanto. E nós, jamais sentiríamos se não fosse verdadeiro.

Se o alívio for um Deus da mesma qualidade do tempo. 

E eu puder ser seu guardião, ser seu sentinela, eu quero”


Pedro Ramos  |  @peedrohramos


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30.11.19

Clareza na ideia, pureza no coração

Imagem: Jeferson Delgado - @jef.delgado

Foi uma noite de redenção. Daquelas que daqui alguns bons anos vou contar com os olhos cheios d´água para meus netos. Com certeza em seus 108 anos de história o Theatro Municipal de São Paulo jamais viu, ouviu ou sentiu algo tão forte e transcendental como o que aconteceu no já histórico 27 de novembro de 2019.

AmarElo é um turbilhão de emoções por si só. É a oração que ilumina seu dia quando se escuta pela amanhã. É um afago que traz paz de espírito e aquieta a alma quando se escuta no silêncio da madrugada.

E mesmo com duas sessões esgotadas em menos de 20 minutos, uma transmissão num telão ao lado de fora do Theatro anunciada horas antes, diversas participações confirmadas e toda energia do álbum lançado quase um mês antes, o Emicida conseguiu superar todas as expectativas - que já eram bem altas - e superou com sobras.

Em cima do palco, via-se um artista em seu estado mais puro, uma banda perfeitamente alinhada e espíritos cheios de luz em cada participação. Na platéia, sorriso no rosto, olhos marejados e almas devidamente libertas.

Aliás, não só as nossas. Como o próprio disse, ocupar aquele espaço significava a anistia do espírito de quem veio antes de nós e a cada música, foi de fato impossível não se lembrar deles e do quanto estar ali também tinha um significado enorme.

Talvez pela primeira vez em pouco mais de 11 anos de carreira, quem tenha falado foi o Leandro, não suas, ou melhor, nossas cicatrizes. Escrevendo como quem manda cartas de amor, esbanjando elegância em ritmo e poesia, Emicida construiu uma obra-prima, em todos os sentidos.

Em tempos onde o racismo, a violência e a intolerância têm reinado, AmarElo nos mostra outro caminho. Já que da mesma maneira que não se mede coragem em tempos de paz, nem sempre o ódio será resposta em tempos de guerra.

Obrigado, Leandro. Eu com certeza te vejo no pódio!

"Viver dói, mas acho um privilégio estar vivo. Por isso sou grato".
                                                                                         Sérgio Vaz
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20.9.18

Estudo não muda caráter e o que dignifica o homem está longe de ser o trabalho

João
Imagem: Mercado Livre

João têm 23 anos. É branco, hétero, nascido e criado no sul/sudeste, sempre morou em condomínio e estudou a vida toda em colégio particular. Passou meses no cursinho e enfim, poder dizer que hoje estuda numa universidade federal.


João acredita que o feminismo é bobagem e jamais se casaria com uma mulher que luta por seus direitos (como se a mesma fosse o querer). João acha que racismo é mimimi e cotas são um absurdo, porque todos somos iguais e temos as mesmas oportunidades de vida. João, não tem nada contra LGBTs, só não aceitaria que seu filho fizesse parte desse grupo e por uma pequena incapacidade de diferenciar sexualidade de sexismo, não quer que seu filho tenha contato com isso na escola.


João quer reduzir a maioridade penal e diz que bandido bom é bandido morto! Porque mesmo sem JAMAIS ter pisado numa favela, acha que o pretinho de 15 anos pega em arma porque é safado e merece cadeia. Em tempo, João ignora suas contradições e se diz contra o aborto, porque é a favor da vida e porque não temos o direito de tirar a vida de alguém.


João por vezes acha que ditadura não foi nada disso que aprendemos durante o período escolar, que a escravidão partiu dos próprios africanos, que o nazismo alemão era de esquerda, o holocausto é uma farsa e adora compartilhar fake news.


João não é bobo. É estudado, tem seu trabalho, sua família, mas passa o dia inteiro defendendo seu candidato na internet, criando teorias da conspiração contra “a esquerda e o PT” e trocando ofensa com os amiguinhos que o contrariam.


João está desesperado por um país melhor e sem pestanejar votará 17 nas eleições. Mas longe de mim querer julgar voto alheio, se eu tivesse um candidato que refletisse meus preconceitos por vezes enrustidos, com certeza seguiria essa mesma linha de raciocínio.


A questão que assola o nosso querido João está em não assumir que seu voto não tem nada a ver com política, projetos ou afins. Seu voto é social. Seu voto não é um grito de desavago ou desespero, é um grito de intolerância.


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